De 11.dez - 14.mar.10
De maneira geral, pensamos na arte de vertente expressionista como o resultado de uma manifestação de sentimentos. No lugar de uma representação do mundo tal como este nos aparece, surgem imagens de uma realidade profundamente sentida, modificada de acordo com a subjetividade do artista. No entanto, a linguagem da arte – e mais particularmente da gravura, com toda a sua artesania – requer, para sua concretização em objeto artístico, um elaborado cálculo de suas potencialidades expressivas e possibilidades técnicas.
Oswaldo Goeldi, apesar de ter nascido no Brasil, faz sua formação artística na Suíça, na década de 1910, deixando-se influenciar pelo expressionismo imaginativo e simbólico de matriz germânica. O retorno ao Brasil em 1919 lhe coloca um problema: como lidar com a nova paisagem física e social sem abrir mão do traço nervoso e conciso? Como incorporá-la a seu repertório artístico sem se perder no particularismo descritivo? A solução lhe aparece com o aprendizado da xilogravura, a partir de 1923, que imediatamente lhe revela a sua potência expressiva. Não apenas os temas se tornam a sua marca pessoal – casas, becos, urubus, pescadores –, mas também a linguagem apaixonada e taquigráfica que aprende com a gravura. A madeira confere resistências e dificuldades, exigindo do artista disciplina, esforço e paciência para abrir frestas de luz na matéria sólida.
Lasar Segall, por sua vez, quando chega definitivamente ao Brasil, na década de 1920, já trazia na bagagem uma sólida formação como gravador. Na Europa, realizou litografias, xilogravuras e gravuras em metal. No Brasil, irá utilizar a economia formal da gravura para dar forma às séries de emigrantes e mulheres do Mangue, adaptando seu vocabulário ao novo ambiente. Como Goeldi, Segall percebe na gravura a possibilidade de lidar com essa realidade sem descambar para a descrição realista. Suas obras brasileiras lidam basicamente com a expressão compassiva diante de situações de desenraizamento e marginalidade.
É no Rio de Janeiro, para onde se transfere em 1942, que Iberê Camargo inicia seu aprendizado na técnica da gravura em metal. A gravura surge, portanto, no quadro de sua formação como artista moderno, sendo marcada pela vontade de experimentar novas formas, novos procedimentos artísticos. As técnicas da ponta-seca, do buril e da água-forte parecem lhe proporcionar a quantidade necessária de resistência material para que suas imagens adquiram densidade expressiva. Marcar a matriz, utilizar o ácido e os vernizes, prensar o papel – tudo ganha o sentido expressivo de um gesto de vigor e paixão. Em suas gravuras, podemos ver tanto as figuras típicas de sua poética – paisagens, naturezas-mortas, carretéis, ciclistas, manequins, idiotas –, como as mais variadas experiências técnicas e formais, nas quais se percebe o diálogo constante com os seus procedimentos pictóricos.
O rigor artesanal dos três artistas, sua economia formal, a compreensão da potência poética da técnica da gravura são alguns dos elementos que os aproxima, assim como a escolha de determinados temas gerais, advindos da tradição expressionista. O que esta mostra pretende exibir é tanto essa proximidade como aquilo que os especifica e diferencia, desvelando para o público o complexo cálculo que realizam na formalização de obras densas, intensamente expressivas.
Vera Beatriz Siqueira
Publicação: 2010
Número de páginas: 160