Iberê Camargo: um ensaio visual mostra três direções na obra de Iberê Camargo presentes no acervo da fundação que custodia seu legado: o olhar para a natureza, fonte ancestral de emoção e inspiração para a arte; o olhar para o homem, a existência e a identidade individual e coletiva, e o olhar para as formas, a abstração, esse espaço da arte que admite inventar imagens que não se encontram em outra parte.
A exposição propõe uma interpretação visual que percorre a história da arte, a voz do próprio artista e a dos seus críticos. Propicia um encontro com a obra de Iberê onde possa se produzir essa vivência de prazer e descoberta tão particular que é a experiência estética.
“Criar um quadro é criar um mundo novo”, pensava Iberê, o primeiro espectador desse mundo. Os espectadores atuais, ao deter-se nessas obras produzidas entre 1940 e 1994 – ano da morte de Iberê – vão ver constantes, rupturas, obsessões, encontros, nesses olhares de um artista para quem a memória era como um grande oceano de cujas profundezas surgiam as imagens da arte.
Iberê Camargo: um ensaio visual permeia uma obra caracterizada por sua originalidade e desinteresse pelas tendências em voga. Iberê foi um artista que experimentou, sempre dentro dos limites de sua disciplina, a pintura, que considerava inesgotável. A sua persistência o mostra como um criador atento às escolhas pessoais. Em pleno auge da chegada do concretismo, nos anos 50, Iberê virou sua linguagem em direção às antípodas do racionalismo abstrato, apostando em uma linguagem subjetiva, de grande carga existencial. A situação do homem no mundo foi sua preocupação constante e ficou manifestada por diversas vias nas suas pinturas, gravuras e desenhos.
A presente exposição aborda essas escolhas desde seu início, nos anos 40. Já na época se vislumbrava sua poética. As paisagens prenunciam formas compositivas e expressivas da produção dos anos 60, sua obra madura, na qual surgem da massa da pintura, obsessivos, seus ícones pessoais: carretéis, caveiras, dados e olhos.
O roteiro da exposição inicia com sua última pintura Solidão (1994) obra que condensa sua visão trágica e a fixa no momento existencial da morte iminente. Desandando a biografia, imagens da vida de Iberê refletem o olhar dos outros sobre sua personalidade artística. A palavra do pintor está sempre presente nesse âmbito que propõe aproximar-se à obra através de testemunhos visuais e textuais. Um ponto culminante dessa biografia está representado no mural que Iberê pintou para a Organização Mundial da Saúde em Genebra. Diversos esboços e pinturas contemporâneas documentam o processo do olhar para as formas que significou o gigantesco painel inaugurado em 1966.
O olhar para o homem: retratos no tempo é o segundo núcleo temático e reúne seus auto-retratos até 1994, ano da sua morte. Ao longo de sua carreira artística, Iberê abordou diversos problemas plásticos e existenciais por meio do auto-retrato: o relato que o pintor faz dele mesmo. Desde o rosto fresco da juventude até a caricatura da velhice, o artista traçou uma particular biografia que captou o instante e reflexionou sobre o passar do tempo. A partir de 1980 os auto-retratos são um testemunho amargo que se estende à visão dos outros, como nas séries Tudo te é falso e inútil e A idiota, onde a indiferença existencial encarna em seres abatidos e alienados.
Por último, em O olhar para a natureza: a paisagem, mostra as primeiras paisagens e sua particular concepção que, no fim dos anos 50, o conduz à abstração. Uma natureza exultante e imóvel ganha corpo nas formas subjetivas afastadas dos códigos acadêmicos. Suas paisagens recriam os lugares solitários de sua infância e juventude. São o resultado das conexões entre seu interior e o exterior, o fruto de um olhar novo que se apropria da natureza. Nas suas últimas representações com esse motivo a ausência de vegetação e a linha do horizonte apenas esboçada, conotam uma imensa desolação. Pintadas na sua idade madura, encerram o círculo iniciado com as solitárias paisagens de sua juventude.
Iberê Camargo: um ensaio visual reflete o olhar pessoal de um artista que transitou, com paixão e veemência, pelo intenso caminho da experiência estética.
María José Herrera
Publicação: 2009
Número de páginas: 116