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Descrição

“A temporalidade das obras de arte pode juntar coisas que foram feitas há muito tempo e há dois minutos”¹. Os trabalhos reunidos em Estrelas conversando em voz alta, exposição de Janaina Tschäpe na Fundação Iberê, nos aproximam desta experiência temporal. Entre as fotografias After the rain (2003) e a série Self-portraits (2018-2023), a artista construiu um corpo de trabalho que tem na pintura a sua linguagem principal, sendo a presença constante da paisagem o eixo orientador de toda a sua trajetória. No caso, uma paisagem sempre reinventada, irrigada pelo ato de fabular.

A imagem plena de poesia que dá título a essa mostra, e que nos fala sobre estrelas conversando em voz alta, surge como uma possível síntese de uma obra que toma a paisagem como sujeito. Nesse sentido, vale recordar uma passagem do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro: “Antigamente tudo tinha, como se diz, ‘alma’. Mas o clube de proprietários dessa propriedade foi minguando. A ciência cancelou a alma das pedras, das plantas, depois dos bichos e dos mortos. A propriedade da alma agora está restrita aos humanos vivos.”² A obra de Tschäpe evoca a possibilidade de um tipo de vínculo com o mundo que caminha na mão inversa deste apontado por Viveiros de Castro. As suas paisagens aquáticas, celestes, geológicas, diurnas ou noturnas, nos deixando entrever somente um átimo de figuração, findam por endereçar justamente a chance de olharmos ao redor e avistarmos “a alma das pedras, das plantas, depois dos bichos e dos mortos.” Ou seja, trabalham por uma subjetivação radical do mundo.

Estamos, assim, diante de mais de duas décadas de produção de uma artista cuja pesquisa caminha nas antípodas de um presente desencantado, desprovido de espectros e de sonhos. A obra de Janaina Tschäpe, ao contrário, em seu diálogo constante entre paisagem interior e exterior, memória e fabulação, nos convida a imantar o mundo com generosas doses de imaginação.

Luisa Duarte
Curadora

¹ Passagem do artista Tunga (1952-2016) em entrevista para a Revista Carbono, 2012.
² VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Subjetivação radical do mundo, 2023.