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De 10.set - 30.nov.08
Por uma questão de justiça poética, já que o artista partiu tão cedo, as telas de Jorge Guinle decidiram permanecer jovens. Fisicamente até, elas passam a impressão de tinta fresca. Irradiam sempre a mesma vontade de pintar, a mesma vontade de viver, continuam enfim a provocar, a agradar e a desagradar, sobretudo nos estimulam, abrem nosso apetite pelo futuro. Passados vinte anos de seu desfecho prematuro, a obra de Jorge Guinle tornou-se quase sinônimo de pintura brasileira contemporânea. Como nenhuma outra talvez, ela traduz à perfeição a forma convulsa do mundo da vida atual – Belo Caos.
As circunstâncias dessa primeira retrospectiva revelam-se por demais felizes, na verdade, têm algo de mágico. Primeiro, é claro, porque ela ocorre na casa de Iberê Camargo e assim propicia o encontro histórico entre duas obras que, com todas as suas diferenças, guardam afinidades significativas. De fato, vistas em certa perspectiva, constituem um Brasil moderno à parte. Uma constelação só de duas estrelas, e ainda assim, que espetáculo!
Por vocação e temperamento, eternos estrangeiros à razão estética construtiva que seduziu e orientou a maioria de nossos principais artistas modernos, Iberê Camargo e Jorge Guinle entregaram-se inteiros à voracidade expressiva da pintura. De maneiras bem diversas, não houvessem três gerações a separá-los, ambos viviam pintura com tal intimidade que tornavam indistinta a fronteira entre uma e outra.
Tentadora que seja a tarefa, obviamente não é este o lugar para empreender uma investigação teórica comparativa entre essas formidáveis poéticas modernas brasileiras. Sem pretensões, a título de breve e necessária introdução, basta à curadoria evocar o ato físico da pintura, notoriamente crucial no caso desses dois passionais. Em transe, Iberê enfrentava a tela na vertical, prêsa ao cavalete ou ao muro, uma longa e emocionante batalha que envolvia a aplicação e a remoção incessantes de camadas e camadas de gloriosa tinta por parte do inspirado e assoberbado “pintor e despintor”. Por sua vez, Jorge Guinle pintava a tela no chão, a girá-la casualmente em todos os sentidos, ora relaxado, ora frenético, como se já não fosse possível, nem desejável, acabar o quadro. O Eu lírico “existencialista” cavava e escavava a tinta até encontrar o fundo ancestral do Ser e trazê-lo à superfície patente da tela; já o colorista endiabrado, o virtuose pós-pop, que não conseguia deixar de sê-lo, errava ao acaso pelo perímetro do quadro, com alegre desenvoltura ou angústia manifesta, na ânsia de concatenar achados e impasses contraditórios.
Ficam para trás, e bem distantes, os clichês de brasilidade quando procuramos conceituar a experiência multifacetada, no final das contas tão nossa, da pintura de Jorge Guinle. Ela abre um mundo à nossa frente, fala de uma vida intensa que merece ser vivida.
Ronaldo Brito e Vanda Klabin
Publicação: 2008
Número de páginas: 120